sábado, 20 de março de 2010

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Brasil discute ditadura pela lógica do esquecimento


O Brasil discute o período da ditadura pela lógica do esquecimento. Esta foi a conclusão de especialistas que debateram, na última quinta-feira (18/3), na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, a criação da Comissão Nacional da Verdade, destinada a apurar crimes cometidos durante o regime militar, de 1964 a 1985.

O jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Fábio Konder Comparato, afirmou que faz parte da cultura política do brasileiro não falar sobre torturas acontecidas no passado. “Em nossa história, houve uma sucessão de regimes políticos como se trocássemos de roupa, mas o interior é o mesmo. Em 1888, extinguimos um crime coletivo, a escravidão. Sobre o período, sabe-se no máximo 10% do que aconteceu e não queremos saber mais. Há uma ‘cláusula’ de comum acordo de enterrar malefícios cometidos nos regimes anteriores”. Durante quase quatro séculos, foram escravizados cerca de cinco milhões de africanos e afro-descendentes no Brasil.

A cientista política e autora do livro “Um acerto de contas com o futuro: Anistia e suas consequências”, Glenda Mezzaroba, disse que a Lei da Anistia, instituída em 1979, é um exemplo da prática de querer apagar acontecimentos trágicos. “Foi elaborada de forma a ocultar a realidade. ‘Vítima’ e ‘direitos humanos’ são termos que não aparecem na lei”, disse ela. Edson Teles, doutor em filosofia política pela USP, completou: “É uma lei ambígua que favorece vítimas e agressores”.

Segundo os estudiosos do assunto, continua obscura a violência cometida durante a ditadura, pois arquivos militares sobre o período permanecem desconhecidos e corpos continuam desaparecidos. No auge da repressão política, 269 pessoas foram executadas, sendo 144 oficialmente mortas e 125 desaparecidas, o que justifica a importância de se criar uma Comissão da Verdade, de acordo com os debatedores.

O órgão não teria a função de processar ou condenar acusados, mas sim de esclarecer o passado. “A violência não é natural, foi algo escolhido pelos governantes daquela época. O Estado tem o dever de investigar”, ressaltou Glenda.

Os especialistas alertaram para as consequências de não se discutir os acontecimentos de épocas anteriores. “Temos forte cultura de impunidade da tortura que se repete ainda hoje na Fundação Casa, nas delegacias, nos presídios do Espírito Santo”, lembrou Teles.

Um relatório com denúncias contra o estado capixaba foi apresentado por ONGs, na segunda-feira (15/3), no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento diz que várias pessoas foram mortas e esquartejadas nas prisões nos últimos três anos e denuncia a manutenção de ao menos 500 homens em contêineres. “A necessidade de tortura é um dos elementos que compõe nossa mentalidade até os dias atuais”, lamentou Comparato.

A crítica quanto à apuração dos crimes da ditadura, feita pelo Ministério da Defesa quando lançado o 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNH3), foi equalizada com o decreto presidencial editado em janeiro que, sem usar o termo “repressão”, instituiu um grupo de trabalho que até abril vai elaborar um anteprojeto de lei para a criação da Comissão Nacional da Verdade.

“Há um descarado sequestro da ideia de verdade. Algo da mesma estrutura da ditadura permanece. A dúvida é se isso acabará após 20, 30 ou mais anos. A comissão vai servir para gerar dualidade”, salientou o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, ao final do debate.



Fonte: Portal Aprendiz

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